Por: Edivan Costa
08/04/2025
O sol mal tinha tocado a crista dos morros de terra vermelha quando o berro da vaca Luarina cortou o silêncio da madrugada. Era uma vaca brava, de olhar desconfiado, que não deixava ninguém chegar perto. Só faltava falar pra dizer “hoje não”. E, naquele dia, parecia que ela tinha acordado de mau humor.
Dona Arlete, mulher de fibra e mãos calejadas, respirou fundo diante da porteira do curral. “Essa danada vai me atrasar de novo…”, pensou. Aos 62 anos, morando sozinha na pequena chácara do interior de Goiás desde que o marido faleceu, ela era uma mistura de doçura e força. Criava vacas leiteiras, plantava um pouco de milho, cuidava das galinhas, e tirava da terra o sustento que muitos diriam ser impossível. Mas não ela.
Dona Arlete não era de reclamar. Acordava antes das cinco, todos os dias. A vida no campo não dava folga, e ela também não queria. Cada manhã era uma promessa: “Hoje, eu vou fazer render”. Mas entre a chuva que não vinha, o preço do leite que vivia caindo, e os netos que só visitavam quando dava, não era fácil. O mundo parecia ter esquecido dela — e de tantos como ela.
Só que naquela manhã, algo seria diferente.
Na semana anterior, o neto Miguel, de 17 anos, tinha chegado na chácara com a cara emburrada. A mãe, filha de Arlete, achou que umas semanas no campo fariam bem ao garoto que vivia entocado em um quarto, perdido entre jogos, redes sociais e crises de ansiedade.
— Aqui não tem internet que preste, Miguel. Vai ter que conversar com as galinhas — disse ela, com um riso maroto, ao deixá-lo na porta.
Miguel bufou. O cheiro forte de curral, o canto desafinado do galo e os pés atolando na terra lhe causavam aversão imediata. Achava tudo um absurdo. Mas a avó o recebeu com carinho, como sempre fazia. A mesma mão que segurava a enxada, sabia preparar um bolo de fubá que fazia qualquer tristeza derreter na boca.
— Você vai ver que aqui também se aprende coisa, meu filho.
Ele não deu ouvidos. Passou os dois primeiros dias reclamando do calor, da falta de sinal e do “tédio”. Só que, aos poucos, foi sendo engolido pela rotina da avó. Acordava com o mugido das vacas, observava o trato dos animais, via o esforço da mulher para lidar com a vida dura — e começou a se inquietar.
— Vó, por que a senhora não vende tudo e vai morar na cidade? — perguntou, em uma tarde.
Ela olhou para ele com ternura e respondeu:
— Porque essa terra aqui me ensinou mais que qualquer escola. E tem coisa que o coração não deixa a gente largar.
Naquela manhã da Luarina arisca, Miguel decidiu acompanhar a avó até o curral. Queria tentar ajudar — ou, pelo menos, entender por que ela insistia tanto naquela vaca.
— Aquela ali? Esquece. Não vai dar leite hoje não — disse ele, tentando brincar.
Dona Arlete sorriu, colocou o balde de alumínio no chão e começou a falar com a vaca como se fosse gente.
— Luarina, minha filha, eu sei que hoje tá difícil… mas eu também tenho meus dias ruins e sigo firme. Vamos nessa?
E com calma, paciência e firmeza, começou a ordenhar. Aos poucos, o leite foi pingando, tímido, até virar um jorro ritmado. Miguel ficou boquiaberto.
— Como a senhora consegue? Comigo ela só vira o rabo e tenta me dar coice!
— É que no campo, Miguel, tudo tem seu tempo. A vaca brava dá leite quando quer. Mas a gente aprende que com jeito e persistência, até o que parece impossível se rende.
Naquela semana, um vendaval devastador passou pela região. Derrubou cercas, destelhou o galpão, destruiu parte da horta. O prejuízo foi pesado. Miguel, que até então só observava, decidiu agir. Pegou ferramentas, ajudou a erguer a cerca, limpou o mato, tentou até consertar o telhado com a avó.
E pela primeira vez em anos, sentiu-se útil.
No final de um dia exaustivo, ele se sentou ao lado da avó no banco de madeira da varanda. O céu ardia em tons de laranja e roxo.
— Vó, agora eu entendi.
— O quê, meu filho?
— Que no campo não tem atalho. Tem suor. Mas também tem paz… e propósito.
Ela sorriu, emocionada. Sabia que aquela viagem não tinha só consertado cercas — tinha começado a arrumar o coração do neto.
Nos dias que seguiram, Miguel começou a anotar ideias. Criou um pequeno caderno com “projetos da roça”: captação de água da chuva, criação de uma pequena horta orgânica, vendas diretas pela internet para os moradores da cidade.
— Vó, e se eu criasse um site pra senhora vender seus queijos e ovos? Tem gente na cidade pagando caro por coisa que aqui sobra!
— Uai, pode tentar, mas cuidado com essas modernidades que enganam — disse ela, mas no fundo, o coração se enchia de orgulho.
Com o celular na mão e sinal fraco, Miguel fez milagres. Em uma semana, arrumou uma forma de vender alguns produtos da chácara para uma feirinha local que adorava “coisas da roça”. O dinheiro que entrou mal deu pro conserto do telhado, mas foi o suficiente pra reacender algo: esperança.
No dia da partida, Miguel abraçou a avó mais apertado do que de costume.
— Obrigado, vó. Pela paciência… e por Luarina. Até ela me ensinou.
— E o que ela te ensinou?
— Que a vida pode ser brava às vezes, mas se a gente tiver calma, ela acaba entregando o que tem de melhor.
Dona Arlete segurou o choro. Viu o neto partir com o rosto mais leve, o olhar mais firme. E voltou ao curral.
Luarina, mansa naquela manhã, já esperava junto à cerca, como quem sabia que o tempo, quando respeitado, traz sempre seus frutos.
No campo, a lição é simples e eterna: quem planta com amor, colhe mais do que alimento. Colhe caráter, força e sabedoria.
Porque no fim das contas, a vaca mansa dá leite — mas até a brava, com tempo e jeito, acaba cedendo.
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